Abscesso Anal - Abscesso Anorretal
O abscesso anal ou abscesso anorretal é uma coleção de pus na região ao redor do ânus e/ou reto que se desenvolve como resultado de uma inflamação aguda. A doença supurativa anorretal pode se manifestar em um ambiente agudo ou crônico. O abscesso anal representa a manifestação aguda e a fístula anal representa a forma crônica do processo supurativo. A fístula e o abscesso anal podem coexistir ou estar associados a aberturas internas atípicas e múltiplos trajetos que resultam em um processo supurativo complexo.
Supõe-se que cerca de 2% de todas as pessoas apresentarão abscessos ou fístulas perianais ao longo de suas vidas. Uma frequência anual de 20 por 100.000 habitantes faz da infecção perianal uma doença proctológica relativamente comum.
Abscessos anorretais são três vezes mais frequentes nos homens do que mulheres. Os abscessos ocorrem com maior frequência entre os 20 e os 40 anos.
Recentemente, foi demonstrada associação entre abscesso e fístula anal com tabagismo simultâneo ou recente. Essa associação vai diminuindo progressivamente com o tempo após a suspensão do tabagismo.
A maioria da sepse anal (mais de 90%) está relacionada a uma infecção das glândulas e ductos anais. O entupimento bacteriano e fecal dos ductos leva à obstrução e subsequente formação do abscesso anal. Esse processo representa a teoria criptoglandular da sepse anal. A criptite infeciosa é a primeira fase do processo supurativo e a fístula anal a fase crônica
Os outras 10 % são secundários:
• Trauma;
• Intrusão de corpo estranho;
• Fissura anal;
• Câncer;
• Radioterapia;
• Estado de imunodepressão (por exemplo, leucemia e AIDS);
• Dermatites infecciosas (por exemplo, hidradenite supurativa);
• Tuberculose;
• Actinomicose;
• Doença de Crohn.
• Trauma;
• Intrusão de corpo estranho;
• Fissura anal;
• Câncer;
• Radioterapia;
• Estado de imunodepressão (por exemplo, leucemia e AIDS);
• Dermatites infecciosas (por exemplo, hidradenite supurativa);
• Tuberculose;
• Actinomicose;
• Doença de Crohn.
A infecção pode se espalhar em várias direções, dando origem a vários tipos de abscessos. A infecção geralmente começa no espaço interesfincteriano. Se a infecção se espalha para baixo resultará no abcesso perianal, se ela segue para cima formará o abscesso interesfincteriano alto ou abscesso supra-elevador. Se a infecção atravessar o esfíncter externo formará o abscesso isquiorretal. A propagação circunferencial, que pode ocorrer em qualquer tipo, irá formar um abscesso em ferradura. Os sinais e sintomas são diferentes dependendo da localização do abscesso.
Os abscessos anais são classificados com base em sua relação com as estruturas anatômicas circundantes. Esta classificação não é absoluta, pois muitos pacientes têm mais de um componente devido ao espalhamento do pus.
Abscesso submucoso: localizado entre o esfíncter interno e o anoderma, junto à cripta anal. Geralmente é secundário à criptite e pode drenar espontaneamente para o canal anal ou evoluir para o abscesso interesfincteriano.
Abscesso interesfincteriano: localizado no sulco interesfincteriano entre os esfíncteres interno e externo. São muito dolorosos e não são fáceis de detectar. O pus pode drenar para dentro do canal anal saindo pelo ânus, pode expandir para baixo causando o abscesso perianal ou para cima formando o abscesso interesfincteriano alto ou supra-elevador.
Abscesso supra-elevador ou retrorretal: localizado na gordura retroperitoneal fora da parede retal e acima do músculo elevador do ânus. Pode ocorrer como uma extensão ascendente do abscesso anal, geralmente um abscesso interesfincteriano ou de um abscesso pélvico verdadeiro secundário a patologia intra-abdominal ou pélvica (apendicite, diverticulite e doença inflamatória pélvica). Podem se estendem para ambos os lados, quando são chamados de abscessos em "ferradura".
Abscesso pós-anal com extensão em ferradura: a extensão do abscesso interesfincteriano para a linha média posterior leva ao acúmulo de pus na região pós-anal. O abscesso pós-anal mais profundo pode não manifestar sinais na pele perianal, mas a dor retal e a hipersensibilidade estão invariavelmente presentes ao toque retal e à pressão anterior do cóccix. A coleção pode ser localizada por aspiração com agulha ou com um exame sob anestesia geral. O abscesso em ferradura é o resultado da extensão direta do abscesso anal posterior para o espaço isquiorretal. Pode ser unilateral ou bilateral.
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Pacientes com abscesso anal apresentam desconforto anal progressivo nas primeiras 24 a 48 horas, seguido dor anal pulsátil constante e progressiva ou de localização imprecisa na região perianal, sem relação com a evacuação. Relata a presença inchaço perianal localizado, avermelhado, endurecimento ou flutuando, quente e muito sensível ao toque. A saída de pus pelo ânus ou região perianal ocorre quando o abscesso vasa ou drena espontaneamente. Sintomas constitucionais como febre e mal-estar são comuns.
O exame proctológico confirma o inchaço anal ou perianal. Entretanto, pacientes com um abscesso mais profundo (por exemplo, supra-elevador), podem não ter, no exame proctológico, alterações externas e o abscesso só ser sentido pelo exame retal digital ou por imagem.
O abscesso perianal: inchaço perianal localizado, avermelhado, endurecimento ou flutuando e muito sensível ao toque. A secreção purulenta pode estar presente se ocorrer drenagem espontânea. Embora geralmente não haja sintomas sistêmicos, o paciente pode ter febre ou mal-estar ou estar gravemente doente.
Abscesso isquiorretal: embora pequenas coleções possam apresentar inchaço localizado discreto, mais comumente há uma grande massa avermelhada e endurecida na nádega. Grandes volumes de pus podem se acumular no espaço isquiorretal. Febre e leucocitose são comuns. Grandes abscessos isquiorretais frequentemente apresentam extensão em ferradura (veja mais adiante).
Abscesso interesfincteriano e submucoso: geralmente não há evidência visível de sepse (febre e leucocitose), porque esses “abscessos ocultos” estão confinados ao canal anal. Devido ao desconforto do paciente, um exame retal digital nem sempre é possível. Nesta situação, é necessário um exame de imagem (ultrassom, ressonância magnética e tomografia computadorizada) para identificar o abscesso.
Abscesso supra-elevador: pode ocorrer como uma extensão ascendente de uma coleção no canal anal distal, geralmente um abscesso interesfincteriano ou como um abscesso pélvico verdadeiro secundário a patologia intra-abdominal ou pélvica (apendicite, diverticulite e doença inflamatória pélvica). O paciente pode sinais e sintomas de sepse sistêmica. Uma massa pélvica pode ser identificada por exame retal ou vaginal.
Abscesso pós-anal com extensão em ferradura: a extensão do abscesso interesfincteriano para a linha média posterior leva ao acúmulo de pus na região pós-anal. O abscesso pós-anal mais profundo pode não manifestar sinais na pele perianal, mas a dor retal e a hipersensibilidade estão invariavelmente presentes ao toque retal e à pressão anterior do cóccix. A coleção pode ser localizada por aspiração com agulha ou com um exame sob anestesia geral. O abscesso em ferradura é o resultado da extensão direta do abscesso anal posterior para o espaço isquiorretal. Pode ser unilateral ou bilateral.
A suspeita da presença do abscesso anal ocorre em todos pacientes com dor ou desconforto em região anal ou retal associado ou não a inchaço perianal; geralmente, o diagnóstico é clínico.
Caso o paciente apresente dor desproporcional aos achados no exame proctológico ou se a extensão do abscesso for incerta, recomenda-se a realizar a tomografia computadorizada (TC) ou ressonância nuclear magnética (RNM). Também são recomendados nos pacientes com suspeita de abscesso anorretal, mas não se consegue palpar o mesmo e na suspeita de abscesso anal complicado.
A ultrassonografia (USG) pode ser útil para diagnosticar abscessos interesfincterianos e submucosos.
O abscesso isquiorretal pode se expandir para o outro lado através do espaço pós-anal e formar grandes abscesso na forma de ferradura. Esses abscessos podem ser palpáveis através da parede retal ou na pele subjacente.
Os abscessos interesfincterianos, submucosos, pós-anais e supra-elevadores podem não ter alterações perianais, mas alguns sinais e sintomas de sepse (febre alta ou hipotermia, calafrios, baixa produção de urina, respiração acelerada e dificuldade para respirar, ritmo cardíaco acelerado, agitação e confusão mental) estão invariavelmente presentes. Essas infecções são insidiosas e extensas e podem se espalhar para outras regiões distantes do ânus.
O abscesso perianal é facilmente visto e palpado na margem anal, enquanto que os perirretal mais profundo pode ser sentido pelo toque retal. Inicialmente, o paciente apresenta dor contínua e latejante que piora imediatamente antes da evacuação, e diminui após. A dor piora aos movimentos e ao sentar. O abscesso perianal, ao contrário do perirretal mais complicado, geralmente não é acompanhado por sinais e sintomas de sepse.
O abscesso interesfincteriano é doloroso ao defecar e pode estar associado a saída de pus pelo ânus e à febre. No toque retal uma massa macia pode ser palpada no canal anal.
Condições que devem ser diferenciadas do abscesso anorretal incluem fissura anal, fístula anal, cisto pilonidal, hidroadenite supurativa e hemorroidas externas trombosadas ou prolapsadas, entre outras condições.
O tratamento do abscesso anal é cirúrgico (drenagem cirúrgica ampla e irrestrita) que deve ser realizada assim que o diagnóstico seja realizado, mesmo se não existir flutuação no abscesso. Deve ser considerado uma emergência cirúrgica sendo a drenagem precoce a base do tratamento.
A aspiração da agulha (calibre 18) sobre a região dolorosa pode ser feita para localizar o bolsão purulento antes da incisão.
Não há lugar para uma condução conservadora. O atraso no tratamento cirúrgico pode resultar em grave infecção local com sepse sistêmica e ainda em infecção crônica, destruição dos tecidos com fibrose e comprometimento da função anorretal a longo prazo.
Antibióticos devem ser usados como terapia adjuvante apenas em condições especiais; incluem pacientes com sinais de infecção sistêmica, cardiopatia valvar, imunossupressão, celulite extensa associada e diabetes. Geralmente ciprofloxacino e metronidazol.
Abscesso perianal
Abscessos perianais simples quase sempre podem ser drenados em regime ambulatorial, geralmente sob anestesia local, podendo ser associado a sedação ou analgesia venosa.
Uma incisão em cruz é feita sobre o ponto mais sensível ou flutuante do abscesso, o mais próximo possível da borda anal. Porque, caso uma fístula anal se desenvolva, a abertura externa estará próxima da borda anal; quando, a fistulotomia (tratamento cirúrgico da fístula anal) exigiria o corte de uma quantidade menor de músculo esfincteriano reduzindo o risco de alterações na continência anal. Todas as lojas devem ser drenadas rompendo os septos pelo desbridamento. As bordas da pele são geralmente retiradas para evitar o fechamento precoce, o que poderia selar a cavidade prematuramente e levar à recorrência.
Nas grandes cavidades ou lojas pode-se deixar um dreno de borracha no local para drenagem contínua até a mesma desaparecer. Este dreno pode ser deixado em vários abscessos diferentes, mas não é recomendado nos casos de abscesso submucoso ou inter-esfincteriano.
Abscesso isquiorretal
Os abscessos isquiorretais unilaterais podem ser drenados como os perianais, mas, apenas depois que a extensão em ferradura for excluída, garantindo assim, que o espaço pós-anal profundo não esteja envolvido.
Abscesso interesfincteriano
O abscesso interesfincteriano é drenado, abrindo o esfíncter anal interno (esfincterotomia) sobre a coleção. Para hemostasia, drenagem adequada e cicatrização mais rápida, as bordas da ferida podem ser marsupializadas (sutura contínua das bordas da incisão).
Abscesso submucoso
O abscesso submucoso é drenado internamente, incisando a mucosa sobre a coleção. As bordas da ferida podem ser marsupializadas (sutura contínua das bordas da incisão). Não está indicado deixar um dreno para drenagem contínua.
Abscesso supra-elevador
A localização anatômica do abscesso supra-elevador através dos exames de imagem (TC ou RNM) é de suma importância para o seu manejo.
➤ Coleções que resultam de doença abdominal ou pélvica podem ser drenadas através do reto ou da parede abdominal. O gerenciamento geral depende da patologia subjacente.
➤ As coleções supra-elevadoras que resultam de uma extensão ascendente de um abscesso interesfincteriano devem ser drenadas através do reto. A drenagem perineal através da fossa isquioanal pode resultar em uma fístula supra-esfincteriana muito complexa.
➤ As coleções supra-elevadoras que resultam da extensão cranial (para cima) de uma fístula transesfincteriana ou de um abscesso isquiorretal devem ser drenadas no períneo pela fossa isquioanal e provavelmente resultará em uma fístula trans-esfincteriana que é relativamente fácil de gerenciar. A drenagem através da parede retal é errada, o resultado será uma fístula extraesfincteriana muito complexa.
Abscesso pós-anal e extensão de qualquer abscesso anal em ferradura
É recomendada a abordagem cirúrgica conservadora do abscesso anal em ferradura para preservar a função e a anatomia anorretal.
➤ O abscesso no espaço pós-anal é drenado por uma incisão profunda na linha média posterior. Todos os músculos ligados ao cóccix, o esfíncter externo superficial e a borda inferior do esfíncter interno são divididos.
➤ Quando o processo supurativo se estende aos espaços isquiorretais como uma ferradura, uma ou várias incisões secundárias são realizadas no espaço isquioanal. Estes espaços ou lojas devem ser conectados entre si com drenos macios para permitir a drenagem contínua.
➤ É recomendada a técnica de Hanley, na qual a incisão posterior da linha média consiste em apenas uma esfincterotomia interna distal parcial para incluir uma fistulotomia com destruição da glândula anal na linha dentada. O esfíncter externo e os anexos musculares ao cóccix não são divididos. Isso permite uma cicatrização mais rápida, mantendo a drenagem adequada. Incisões contralaterais e drenos são usados para os abscessos em ferraduras.
Aproximadamente, 50% dos pacientes com abscessos anais já apresentam fístula anal na apresentação; assim, pode-se realizar a fistulotomia já na drenagem de abscesso simples se as condições cirúrgicas forem boas. Caso o edema e o processo inflamatório sejam muito significativos, é recomendável aguardar o esfriamento do processo para a intervenção.
Fistulotomia primária versus fistulotomia tardia
A fistulotomia primária, que consiste em tratar a fístula anal no mesmo tempo da drenagem do abscesso, ainda permanece controversa. Se deve à dificuldade em localizar a abertura interna no canal anal na sepse aguda e o efeito da fistulotomia primária nas taxas de recorrência e incontinência anal.
Será que compensa levar ao bloco cirúrgico um abscesso anal simples, que pode ser drenado no ambulatório, para fazer a fistulotomia primária, na esperança de evitar a formação da fístula anal e a consequente necessidade de nova cirurgia?
Como muitos abscessos não evoluem para fístula anal, alguns pacientes seriam submetidos a um procedimento maior desnecessariamente. Nesse cenário, autores advogaram a incisão e a drenagem isoladamente para abscessos agudos, reservando a fistulotomia como procedimento secundário em pacientes com recidiva.
Uma porcentagem de pacientes com drenagem isolada para o tratamento do abscesso anal desenvolve abscesso recorrente ou fístula subsequente. A fistulotomia primária nesse cenário pode diminuir esse risco, mas às custas de um pequeno aumento no risco de distúrbios da continência.
A fistulotomia primária deve ser considerada em pacientes com histórico de abscesso anal anterior e/ou no abscesso isquiiorretal, quando a abertura interna é aparente.
Essa controvérsia não tem impacto no tratamento dos abscessos pós -anal com extensões em ferradura ou nos abscessos interesfincterianos. Nesses casos, uma fistulotomia é realizada quando a esfincterotomia é a técnica de drenagem primária.
Isenção de responsabilidade
As informações contidas neste artigo são apenas para fins educacionais e não devem ser usadas para diagnóstico ou para orientar o tratamento sem o parecer de um profissional de saúde. Qualquer leitor que está preocupado com sua saúde deve entrar em contato com um médico para aconselhamento.